31 janeiro 2010

Óleo no cérebro

1.

Os poucos, porém fiéis e atentos leitores deste blog não me permitem desatenções. A pretexto, pois, de explicar os termos da despretensiosa e –reconheço- descontextualizada mensagem anterior, pretendo passear por outros tempos e espaços na tentativa de espantar uma restrição mental que resulta em textos de baixa qualidade, além de aproveitar a ocasião para reavivar o gosto por uma boa conversa e, de quebra, quem sabe, reverter a queda evidente e acentuada de minha popularidade, embora com percentuais ainda não revelados pelos institutos de pesquisa.

2.

Começo desembarcando em Brasília depois de um torturante vôo noturno, carregando minha mochila e meu cansaço até o apartamento em que o Senado abriga minha líder Marina Silva. Encontrei-a, mal iniciado o dia, empenhada em promover a paz e a convivência harmônica entre diversos eus, nós, eles e outros que navegam nas embarcações políticas de sua frota cada vez mais numerosa. Após algumas providências e conversas pacificadoras, atendeu-me com café e explicação: “uma coisa que desenferrujou na minha cabeça foi a política”. Apelei, pois, para sua proverbial caridade cristã: “então, por favor, me arranja um pouco de óleo porque na minha cabeça a política continua rangendo”. Ainda bem que Marina é tranqüila e lúcida o suficiente para recusar uma boa parte de meus palpites, se fosse segui-los brigaria com meio mundo. (Sei que sou um bom assessor pela qualidade daqueles a quem assessoro.) Deixo a coerência para quem dela precisa e posso promover foguetórios verbais na fronteira da liberdade com a irresponsabilidade. Mas para poucos e íntimos, é claro, que não sou de escândalos.

3.

Uso com parcimônia cada vez maior esses pronomes coletivos, nós e eles. Depois de tanto tempo com a impressão de um “eu” tão próximo, reconhecível e confiável, percebo cada vez mais claramente sua impermanência, fragilidade e estranheza. Como definir, então, fronteiras de identidade e alteridade para o que quer se seja, abraçar ou empurrar, aliar-se ou opor-se? Resta-me o recurso das aspas, gasto e parco, para mostrar minha consciência de que essas separações existem quase como fantasmas ou talvez as proverbiais bruxas em que no creo, pero las hay. Afinal, parece que “nós” guarani-kayowá não estamos muito contentes com “nós” fazendeiros no Mato Grosso. E o que digo “eu”? Crianças, deixem disso e vamos todos rezar? Guerra e paz, amor e ódio... não fico satisfeito com dualidades. Mergulho mil vezes na multiplicidade e, para não me afogar nela, levo comigo a sentença de Heráclito, que coloquei na proteção de tela do meu computador: Tudo é Um. Mas às vezes “eles” se esquecemos.

4.

Ainda tenho esperanças de que seja possível formar e manter comunidades, de resto uma idéia muito interessante. Mas como fazer isso? Durante duas décadas, antes de sermos assumidos pelo poder de Estado, percorremos rios e varadouros para dialogar com as comunidades da floresta na linguagem dos projetos. “Cultura de projeto” foi a expressão que usei para designar um conjunto de relações que nasceram nas ONGs e que depois “nós” levamos para o Estado. O projeto tem um roteiro: objetivos, justificativa, estratégia, cronograma etc. etc. e, no final, o mais importante: orçamento. Costumo brincar dizendo que o projeto tem, oculto, um fundamento militar; trata-se de um “projétil”, que sempre tem um “público-alvo” a ser “atingido”. Obviamente, não estou condenando os sonhos, a projeção do futuro, o planejamento, nada disso, embora também não morra de amores por todos esses disfarces do desejo de controle associado à idéia de um tempo linear, por mais criativos que sejam, nem esteja conformado com uma condição humana –momentânea, coisa de poucos milênios- em que se desenvolveu o vício de projetar o pensamento para “passado” ou “futuro” ou qualquer lugar distante do agora, deslocando assim o estar para fora do ser. De todo modo, como às vezes faço guerra ou amor e eventualmente digo “nós” e “eles”, também ainda faço projetos. Não sou, como já reconheci, um exemplo de coerência, mas é preciso sobreviver e, para isso, fazer uso de coisas muito próximas da vilania, como estratégia, objetivos, planos e –argh!- política. (Marina, vou mesmo precisar daquele óleo no cérebro.)

5.

De todo modo, fiz aqui –e mantenho- uma rápida constatação de que no enfrentamento de projetos, estamos, quem quer que sejamos “nós”, perdendo para aqueles, quem quer que sejam “eles”, que projetam a devastação. Bem lembrado o caso do Casarão. Ali, ao lado do velho avarandado de madeira, próximo ao quartel da antiga Guarda Territorial, em frente à pracinha do coreto, onde ficam a Escola Normal e o Hotel Chuí, estão querendo construir um monstro brega com enormes arcos modernosos, mais uma ofensa ao patrimônio histórico, à memória, à paisagem, à identidade e até à sensibilidade. “Eles”, que projetam essa agressão, são os mesmos que destruíram boa parte do patrimônio arquitetônico erguido entre 1940 e 1970 para instalar torres de vidro, arcos de concreto, fachadas de metal, quiosques de fibra e um amplo arsenal de breguices. E “nós”, o que fazemos? Ficamos vendo o monge Zen eliminar o problema com sua espada jurídica, dizendo que não pode “engessar” a cidade e que o patrimônio antigo tem que conviver com o “moderno, vivo e vibrante”? E esse é só um dos casos que não conseguimos nem empatar, posso citar uma dezena e deixar outra guardada no bisaco.

6.

Com essas pernas, como dar passos sustentáveis? Antigamente, antes da cultura de projeto, dizíamos “auto-sustentável” (lembram-se, companheiros?), porque achávamos que ninguém ia nos dar de comer e não imaginávamos quão bom era o preço pelo qual venderíamos nossa autonomia. Agora ninguém trabalha de graça, a definição é pré ou pós-pago. Marina vive falando (sempre ela!) nos tais “núcleos vivos da sociedade”, parece que existem por aí alguns grupos, pessoas e até organizações fazendo coisas interessantes e auto-sustentáveis. Tenho insistido na necessidade de criar moedas paralelas, de circulação local, capazes de facilitar as trocas em sub-sistemas econômicos de âmbito comunitário ou regional, sustentando o trabalho e a arte de gentes variadas. Existem experiências interessantes no mundo e até nesses novos paraísos consumistas como Índia e Brasil. Mas será que a moda pega, será que chega aqui?

7.

Por enquanto, continuo achando sedutora a visão daquele poético anônimo que imagina a extinção do homo sacer (aprendo mais essa) e um planeta sem “nós” dando belas piruetas ao redor do sol. E tem gente que diz que eu ando apocalíptico. Ora, apocalíptico é o Haiti. Eu estou meio enferrujado, só isso.

15 janeiro 2010

Dois problemas

1.
Retomar a iniciativa. "Eles" estão inventando e fazendo coisas para gastar o dinheiro que ganham e ganhar o que gastam. "Nós" tentamos empatar. Precisamos fazer e inventar coisas para ganhar tempo e espaço.
2.
Auto-financiamento. A cultura de projeto acabou com nossa autonomia. Como podemos nos bancar? Sustentável é o passo que damos com nossas pernas etc. etc.

Sem tremer

.
Há uma ilusão persistente de que a cura será sem dor, que as coisas vão se acertar e tudo vai melhorar e as pessoas começarão a se entender e a natureza abrandará seus rigores. Não vai dar. Há carma demais, ódio demais, doença demais para que seja assim tão suave. Muita coisa vai quebrar, já começou.
..
Há um sentimento oposto -outra reação ao mesmo medo-, que é o desejo intenso de punição, uma contrariedade diante de qualquer melhora ou boa notícia, uma ânsia de catarse, um sarcasmo que impede o perdão, uma amargura seca, um fogo da vingança.
...
Por agora, algumas explosões fanáticas: novos ataques de um islamismo homicida, pastores racistas norte-americanos que oram pela morte de seu presidente, neo-nazistas europeus preparando mais uma temporada de caça, além dos crimes bizarros cotidianos. Tudo, entretanto, contido pelo inverno no hemisfério norte e pelas chuvas no sul. Quando vier o tempo da seca, das ondas de calor extremo, dos incêndios, das tempestades de poeira, aí a loucura coletiva -com ou sem disfarces religiosos e ideológicos- irromperá num espetáculo de fúria.

03 janeiro 2010

Depois, o mundo

Preciso vencer uma impaciência. É meio complicado de explicar: é impaciência com o alcance das palavras, idéias, conceitos, planos, estratégias, tudo que é tentativa de enquadrar a redondeza da terra. Passei de todos os conceitos e não sei como me comunicar sem eles. Não dá pra dizer algo tipo assim, entende? A gente tem que ser simples e claro. Mas as palavras estão gastas e opacas. Quer ver? Olha só o Meio Ambiente. É algo que foi inventado há pouco tempo, é novidade pra tanta gente e já nem diz muita coisa. Antes não existia meio ambiente. Existia a natureza: os rios, as árvores, os animais e nós, humanos. Existia o mundo e sua vastidão a ser percorrida. Existia o trabalho com a terra e seus recursos. O meio ambiente só passou a existir quando nós, humanos, nos afastamos da natureza. Quando o mundo foi percorrido tantas vezes que ficou pequeno. Quando os recursos da terra, sob o ritmo do trabalho industrial, começaram a dar sinais de esgotamento. Formou-se, então, a idéia do que estávamos perdendo. A natureza foi se acabando, ficou só o meio ambiente... e a minha impaciência, pois com isso não dá pra fazer ou refazer um mundo. Bem, pelo menos sei por onde começar: vencer essa impaciência.

Encontro

Alô, tem alguém do Movimento Marina Silva aí? Olha só, o Eduardo -que muitos conhecem pelo apelido de "gestor da rede", está de passagem por Rio Branco e marcamos um bate-papo na Biblioteca da Floresta, no dia 7, quinta-feira, às 18 horas. Se estiver disponível, passa lá. Vai ser legal. Não é "reunião", aquela coisa chata com pauta e votação, é um encontro pra trocar idéias e impressões. Como dizia o Leminsky: distraídos, venceremos. Abraços.