22 setembro 2022

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Por um fio



Passei umas semanas em São Paulo, dando uma forcinha na campanha da Marina Silva, que é candidata a deputada federal, para alegria de milhões de paulistas que sabem dar valor a quem tem mérito. Voltei a Rio Branco e encontrei uma situação deprimente, no auge das queimadas, com a fumaça escurecendo os dias e os pensamentos. A invasão num terreno do governo na estrada, perto da minha casa, prosperando com barracos sendo construídos já com os cartazes dos candidatos na campanha política colados nas paredes. Uma campanha eleitoral brega, sem assuntos relevantes além das velhas promessas e novas ofensas, numa terra sem governo e sem lei onde os pobres fazem o que podem e os ricos fazem o que querem. 


Se a “intenção” de votos nas pesquisas se realizar, a campanha termina logo, com o atual governador sendo reeleito no primeiro turno. Tem gente que duvida -e é realmente estranho- que o Petecão tenha 5 por cento. Também é inusitado que o Lula tenha 33 e o Jorge 25, oito pontos a menos, no Acre, onde sempre foi o inverso. Mas tudo isso é possível porque, pra quem conheceu, ó quão dessemelhante o Acre está de seu antigo estado!


Bem, se vai ter segundo turno, não sei, mas vou votar no Jorge de qualquer jeito. Nele aqui e em Lula lá. A última vez que isso aconteceu foi em 2002, há exatos 20 anos. Dá até a impressão de que voltamos no tempo. E bem que eles poderiam incluir, entre suas promessas de campanha, que me dariam de volta meus 45 anos de idade, caso eleitos. Mas até as promessas de campanha tem limites, bem sei. Vou votar assim mesmo.


É claro que gostaria de ter Marina ou alguém que tivesse com ela alguma semelhança, mínima que fosse, disputando a Presidência. Na ausência dela, estive inclinado a votar no Ciro mas ele tropeçou no próprio ego e tornou-se inviável. Lula, com todos os seus conhecidos defeitos, é o que temos como alternativa ao integralismo que se espalhou no Brasil, ao mesmo tempo sintoma e agente patógeno de uma regressão civilizacional sem precedentes. E talvez tenha aprendido alguma coisa, a derrota e a prisão são muito didáticas. Afinal, temos que manter um fio de esperança na capacidade de regeneração da raça humana.


Guardadas as devidas diferenças, Jorge cumpre no Acre uma função semelhante. De todos os candidatos é o único que tem capacidade de fazer um governo minimamente funcional. Gladson é um rapaz muito simpático, mas não tem nem mesmo cacoete de governador. Os grupos que ocupam os cargos de direção do Estado não chegam a formar um governo. Aqui e acolá, em alguma secretaria, tem um resquício de qualidade técnica, raríssimos projetos, mas nem sombra de um planejamento ou estratégia. É apenas isso, um ajuntamento de agregados que preenchem os cargos disponíveis.


No final das contas, tudo depende de um eleitorado que piorou muito em todos esses anos. O voto aumentou apenas o preço, a qualidade diminuiu drasticamente. E se não temos governo é simplesmente porque não temos sociedade. Nem povo. Salvo algumas comunidades, aqui e ali, somos apenas um ajuntamento de agregados ocupando espaço e fazendo rolo para sobreviver. E foi justamente a política -transformada num confronto de ressentimentos- que criou essa situação. Mais uma vez, é preciso fazer um grande esforço para ter esperanças na raça humana.


Tenho um fio, espero que não se rompa na tempestade.

06 setembro 2022

!?

Mais embaixo

Escrevi um artigo, na semana passada, com o título “De quem é esse buraco?”, para questionar a omissão do poder público na invasão de um terreno do Estado na Estrada Irineu Serra e especular sobre o possível patrocínio político por trás da invasão. O artigo foi publicado em dois sites de notícia (acreaovivo.com e noticasdahora.com.br, agradeço aos editores de ambos), circulou em mensagens de whattsapp nos celulares de algumas dezenas de pessoas, incluindo as autoridades estaduais e municipais ligadas ao assunto e, obviamente, não gerou nenhuma resposta prática. 


Eu poderia repetir a pergunta e insistir em saber de quem é, afinal, aquele buraco. Mas já sabemos que o terreno é do Estado e quem teria a responsabilidade de cuidar dele é o governador Gladson Cameli. Seria, talvez, interessante saber quem está patrocinando a invasão, porque demonstra ter um grande poder. No dia mesmo em que meu artigo foi publicado, chegaram alguns caminhões entregando madeira e, no dia seguinte, barracos novos e bem firmes sobre grossos esteios foram erguidos. Alguns desses barracos passaram a ser ocupados também à noite, com fios da rede elétrica sendo puxados pela parte de trás do terreno, das ruas do Conjunto Jorge Lavocat. Mas ontem foi feita uma ligação da Estrada Irineu Serra e instalados alguns postes no caminho central, (uma rua, sim, senhores!) entre os lotes demarcados e ocupados. 


Não sei se a Energisa, que dizem pertencer ao grupo de empresas da família do governador, está sabendo dessas ligações. Também não sei quem está fornecendo a madeira e o transporte. Só vejo que a invasão não parece ser muito pobrezinha. Deve ter um patrocinador muito interessado em resolver o grave problema do deficit habitacional na capital do Acre. Com o investimento que está fazendo e a rapidez no andamento, imagino como o local estará daqui a 30 ou 40 dias. 


Mas fico ainda mais curioso sobre os motivos do sumiço total do poder público no caso. O governo estadual abandona seu patrimônio (nosso patrimônio) e desobedece descaradamente a uma ordem judicial. A Prefeitura não aparece na Area de Proteção Ambiental colada ao terreno invadido nem para olhar a queimada que transformou em cinzas vários hectares em frente, quem sabe como preparação para a continuidade do loteamento no outro lado da estrada. Ontem, o condutor de um carro com propaganda de um candidato a deputado, passando pela APA, simplesmente cortou um ipê na margem da estrada e o transportou para usar na decoração de alguma festa e ainda ofendeu o morador do bairro que o abordou. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente recebeu as fotos da ocorrência, talvez devamos esperar uma ação… depois da eleição?


Porque é disso que se trata, comentam as andorinhas: fiscalização, reintegração de posse, multa, essas coisas que impedem ou punem o ilícito, só depois da eleição. Tudo indica que, com o governador dedicado exclusivamente à campanha reeleitoral e com o vice-governador tendo se passado para a oposição, as decisões e ações do Estado foram terceirizadas e o Acre está sendo governado por assessores. E os assessores, principalmente em época eleitoral, tem três problemas: 1) são medrosos, não fazem nada que possa quebrar essa mercadoria frágil que é o voto e ficam apavorados com o uso que os adversários podem fazer de cenas de um despejo; 2) são burros e não sabem fazer o simples cálculo de que cada voto ganho com um invasor pode corresponder a um voto perdido com a comunidade invadida; 3) são ignorantes, pois não conhecem a história do lugar nem sabem o que fazer com ele. 


Eu poderia revelar outros adjetivos que me ocorrem para qualificar os “tomadores de decisão” envolvidos no assunto, incluindo o Ministério Público, que deveria enquadrar o governo nos rigores da lei para que cumpra suas responsabilidades e simplesmente faz cara de paisagem como se nada estivesse ocorrendo. Mas não vou dizer nada, porque os adjetivos poderiam ser considerados desaforos e os rigores da lei não faltam para cidadãos sem poder. Vou apenas reproduzir o comentário que ouvi de uma antiga moradora do bairro: “parece que está faltando homem no Acre”. Dito por mim, poderia ser entendido como uma expressão um tanto machista, mas a autora do comentário é uma senhora com mais de 80 anos de idade, que sabe a diferença entre homens e meninos.


Vou repetir, sendo mais explícito: os conselheiros políticos do governo são frouxos e burros, o  governador deveria contrariá-los e fazer o que é certo. Poderia seguir o exemplo de Jorge Viana. Quando era prefeito, Jorge tirou centenas de barracas de comércio que estavam instaladas há mais de dez anos no lugar em que pretendia construir -e de fato construiu- o Terminal Urbano. E quando era governador, tirou outras centenas de barracas instaladas há décadas nos arredores do Mercado Velho, para transformá-lo em cartão postal da cidade. Não me lembro o que diziam seus assessores, naquelas ocasiões, mas não duvido que ele tenha enfrentado os temores e as descrenças de muitos. E não perdeu eleição por isso, deixou a Prefeitura e o governo com altos índices de aprovação e popularidade. Mas uma coisa é você ter um bom plano e fazer o que é preciso para executá-lo; outra coisa é você ter um bom emprego e fazer de tudo para não perdê-lo.


Tudo indica que o buraco vai continuar se aprofundando. E eu vou continuar falando, pois é só o que posso fazer.