26 abril 2010

O colecionador

Iniciei, há pouco mais de dois anos, uma coleção de palavras que inventei para uso particular e exclusivo. A princípio, intentei acrescentá-las, por serem incompreensíveis, àquelas importantes coleções promovidas por respeitáveis institutos desde tempos remotos: as de uso raríssimo, sonoridade estranha, significado improvável ou quaisquer outros atributos que despertem interesse e produzam valor. Decidi, entretanto, que palavras de minha autoria devem ficar separadas, não por alguma forma de vaidade mas, exato oposto, por não julgar-me à altura dos grandes vultos do passado, mestres da literatura ou veneráveis anciãos desta terra, em cujas expressões -livros, cartas ou lembranças- tem sido encontradas, as palavras das antigas coleções, digo, valiosas e diferentes desta que há pouco mais de dois anos, como disse, iniciei.
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Não parecerá aos meus contemporâneos despropositado colecionar palavras inventadas, pelo simples fato de que não as pronunciarei nem escreverei e porque, afinal, ninguém desconhece que o hábito de colecionar distingue a condição humana e sua capacidade de erguer civilizações. Cada civilização, em essência, é uma coleção de coleções; sua base, a língua, constitui uma coleção pública de palavras com uso generalizado e significados compartilhados, frequentemente consensuais.
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Tenho poucas, por enquanto. Algumas perdi para o esquecimento, vez que não ouso registrá-las para que não caiam em mãos alheias e, como sabem, minha memória, outrora infalível, já se desbota com o tempo e as atribulações da vida. Melhor assim: fossem moedas, eu acumularia um tesouro impossível de levar para o outro mundo, aquele que se alcança ao ultrapassar o portal da morte, e isso me entristeceria; sendo palavras, riqueza que o espírito carrega com facilidade, mesmo desconhecidas e incompreensíveis, podem compor um patrimônio difícil de administrar na eternidade.
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Esta é a causa de minha recusa em compartilhá-las e, ao mesmo tempo, desta esperança de esquecê-las, todas, com o passar dos muitos anos que ainda espero viver. Partirei feliz, com a leveza de uma coleção vazia de palavras inexistentes.

10 comentários:

Lulih Rojanski disse...

Eu adoraria conhecer sua coleção. Quando leio Manoel de Barros, o que mais me encanta são as palavras loucas de tanta poesia que ele cria.
Um abraço.

Anônimo disse...

Saramaguiano

Thiago Martins disse...

Realmente, atiçou a curiosidade para conhecer um pouco de sua criatividade Toinho...

Podia soltar pelo menos uma dessas raras e colecionadas palavras...

Paz companheiro.
Thiago.

Marcos Vinicius Neves disse...

Ora direis ouvir estrelas (para me manter ainda no tema celeste dos comentários anteriores).
Ora Toinho, que egoismo, o que são poesias se não sentimentos inventados. E o que seriam palavras, senão poesias em invenção. E você nunca teve pruridos de compartilha-las. Porque isso agora?
Quem sabe Guimarães Rosa intentou usar palavras inventadas (ou quase faladas na lingua do povo de seu sertão) porque não saberia que um dia seria Guimarães Rosa, ou poderia ser vitima do mesmo temor que te aflige de carregar os fantasmas de suas próprias invencionices para todo sempre e nós teriamos sido privados de enveredar pelo "Grande Sertão".
Deixe de "foba" e apresente "avexado" suas pérolas à nós mortais carentes de criatividade e ousadia...
Pois se bem me lembro, meu maior sonho de menino era que alguem quizesse ver minha coleção de insetos, o que nunca de fato aconteceu...

Maurício Bittencourt disse...

Emociona-me tal poesia feita sem palavras.

Luhelena disse...

Bárbara a tua ideia de colecionar palavras. Quando no início do ano reli "Cem anos de Solidão", de Garcia Marquez, imaginei fazer o mesmo. Além de ser um dos melhores livros que li (tem vários amigos meus que moraram no Acre e dizem que aí é MACONDO...rsrsrs.) a beleza e a riqueza de sua linguagem é maravilhosa, muitas vezes, indecifrável.
Mas, convenhamos tu tiveste a coragem de revelar a tua rica coleção e não querer compartí-la com nosostros, ah! isso é muita maldade...
Confesso que fiquei curiosíssima não tanto em relação às invencionices dos ilustres literatos, mas de tuas próprias invencionices.
É, "Pedro pedreiro penseiro...". Será que vou ter tb que esperar o trem, que não vem? Manda a ver, meu!!!
beijokas,
Lu

Antonio Alves disse...

Estou escaldado. Em passado não muito remoto deixei escapar, por brincadeira, um simples neologismo -a tal florestania- e está dando confusão até hoje.

Thiago Martins disse...

Amigo Toinho, "florestania" foi tão revolucionária (porém muito bem aceita) que eu e milhares de outras pessoas tivemos que estudar seu conceito no primeiro concurso que eu fiz aqui no Acre no início de 2006. Palavra e matéria de edital de concurso público... E ainda na boca de muitos (como eu) para exigir um sonho tangível e, infelizmente, ainda distante. Paz companheiro.

Anônimo disse...

Aonde entra o Jorge Nazareth, na autoria do termo "florestania"?

Antonio Alves disse...

Não vou brigar com o Jorginho por direitos autorais, mas acho que ele não vai ficar com raiva se eu reivindicar a co-autoria do termo.