03 novembro 2009

Claude Lévi-Strauss (28.11.1908 – 31.10.2009)

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FOLHA - O que o senhor pensa das idéias ecológicas, que se tornaram fortes em todo o mundo e ganharam particular importância em países como o Brasil?
LÉVI-STRAUSS - Sou a favor, e de uma maneira tão extrema que acaba se tornando puramente teórica. O que norteia o pensamento ecológico é que ele proclama a vontade de defender solidariamente a natureza e o homem. Defender a natureza para as necessidades e dentro dos interesses do homem. Estou convencido de que as coisas são profundamente contraditórias. Se tivesse que tomar posições ecológicas, diria que o que me interessa são as plantas e os animais - e danem-se os homens. É óbvio que se trata de uma posição indefensável. Por isso, guardo-a para mim.


FOLHA - O senhor sempre tomou o partido da ciência, mas, na releitura de Montaigne que faz em História de Lince, mostra também suas distâncias em relação a uma fé no conhecimento. O senhor se tornou mais cético em relação à ciência?
LÉVI-STRAUSS - A lição que tirei de Montaigne é que estamos condenados a viver e pensar simultaneamente em vários níveis e que esses níveis são incomensuráveis. Há saltos existenciais para passar de um a outro. O último nível é um ceticismo integral. Mas não se pode viver com ceticismo integral. Seria preciso se suicidar ou se refugiar nas montanhas. Somos obrigados a viver ao mesmo tempo em outros níveis em que esse ceticismo está moderado ou totalmente esquecido. Para fazer ciência, é preciso fazer como se o mundo exterior tivesse uma realidade e como se a razão humana fosse capaz de compreendê-lo. Mas é "como se".


(Trechos de entrevista publicada na Folha de S. Paulo em 3/10/1993)

5 comentários:

luHelena disse...

Homenagem ao grande Lévi-Strauus que morre aos 100anos como um dos maiores pensadores e antropólogos do século 20."Ele soube partir do empirismo para dialogar e colocar a antropologia em pé de igualdade com outras ciências humanas, e como a filosofia. Lévi-Strauss é um autor fundamental", afirma Renato Sztutman.
O estudioso jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única. Sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte.
O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos. O método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. "Estruturalismo", diz Lévi-Strauss, "é a procura por harmonias inovadoras".
A corrente estruturalista da antropologia, da qual Lévi-Strauss é o principal teórico, surgiu na década de 40 com uma proposta diferente da antropologia de viés funcionalista, predominante até então. O estruturalismo queria saber do trabalho intelectual. Olhar para os povos indígenas e buscar uma racionalidade e uma reflexão propriamente nativa", diz Sztutman.
Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas linguísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos etc. Nessa passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Escreveu, em "O Pensamento Selvagem", que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.
"Ele abriu um caminho para pensar a filosofia indígena, valorizar o lado intelectual dos povos estudados, e não ficar naquela coisa 'nós (ocidentais) temos uma grande teoria e eles não'. Lévi-Strauss abriu caminho para valorizar o aspecto intelectual de outras populações", acrescenta Sztutman.
Lévi-Strauss não via o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta.
Diz Claude Lévi-Strauss: "Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele -isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
Mesmo que esta possibilidade se realize, como está bem claro em sua entrevista publicada por vc, Antonio, este pensador nunca aceitou o ceticismo radical, pois isso não conduz a vida.
Em verdade nenhuma forma de cetismo representa a vida. Pelo contrário, distancia-se dela, rompe com ela. Corta-a. E a cada instante precisamos renovar nosso compromisso e respeito a todas as formas de vida - inclusive com a vida humana, com a nossa (de nós mesmos) e do outro (iguais e diversos), de cada ser vivo morador da Terra Pátria (Mátria).
Então, para mim, não cabe, nem o cetismo - apesar da barbárie civilizacional em que vivemos - nem a mera crença otimista em um futuro humanitário paradisíaco. É preciso levar-se em conta que a história não é linear e determinística, considerando todos os seus movimentos milenares. Creio que tudo no futuro - ainda que longíquo - é indeterminado - porém prenhe de possibilidades... E que, talvez, apenas nossos bisnetos ou tataranetos (e olhe lá...) possam conferir e viver em outro tempo. Em outros tempos...
Saudações antropológicas e esperançosas!
Lu

luHelena disse...

Antonio,
Estou escrevendo de novo, pois esqueci de colocar a fonte do texto que enviei nesta madrugada.
Extraí da UOL-Notícias.
Espero que o texto enviado seja valioso para vc e para seus leitores: uma oportunidade de conhecer flashes do pensamento de um dos maiores pensadores e antropólogos do século 20 - Claude Lévi-Strauss, deixando-nos como legado sua rica, densa e vasta obra memorável!!! Muito teremos que aprender ainda com sua sabedoria - e com 100 ele já havia se tornado sábio, relativizando ou mesmo pondo em questão, a própria ciência; criticando-a como forma única e absoluta de racionalidade e forma de conhecimento. Já nos ensinou a respeitar e considerar a ciência dos povos da tradição a ("ciência do concreto") cuja matriz principal do conhecer é dada pela dimensão do sensível; algo que a ciência moderna perdeu há muito, se é que algum dia a teve, super-valorizando sempre a razão instrumental e utilitária que rege a modernidade e o domínio dos homens sobre a natureza e entre os homens entre si - com base no Logos e na cultura do extermínio.
Beijos,
lu

Anônimo disse...

Entrevistas 10. E mais 10 p quem a publicou, demonstrando apreço e consideração pelo bem.

Eakesmeyer disse...

Toinho, essa data de falecimento tá errada; além de hoje ser dia 8 do 11, dia 31 do mês não existe.
Abraços,

Mateus

Anônimo disse...

tomei conhecimento do Claude Levi-Strauss em 2007, numa pós. Ano passado consegui comprar uma obra dele: O Cru e o Cozido, que ainda leio, é muito densa. Registro minha admiração por ele e por vc ter postado a respeito.
Patricia Azevedo