30 março 2009

Porque ler o mesmo livro tantas vezes

.......- Tenho mais alguma coisa para lhes dizer, que é muito mais séria -muito pior no que se refere aos Nativos, se não a vocês. Este planeta tem um inimigo. Não tinham percebido isso?
......Silêncio. Mais uma vez a palavra "inimigo" parecia passar por eles, diluindo-se na atmosfera da sala. Simplesmente era como se não soubessem onde encaixá-la. É uma sensação estranha, quando durante toda a vida se pensou em termos de confronto e superioridade, tratados e manobras políticas necessários para combater os vilões das galáxias, encontrar-se inesperadamente entre pessoas que jamais pensaram em termos de oposição, muito menos de maldade.
.......Tentei um pouco de humor:
......- Pelos menos devem saber que existem inimigo! Eles existem, sabem? Na verdade estão sempre ativos. Nesta nossa galáxia existem forças do mal em funcionamento, e são muito fortes...
.......Pela primeira vez entreolharam-se, com o movimento instintivo que é sempre sinal de fraqueza. Procuravam descobrir nos olhos dos companheioros o significado dessa coisa, "inimigo". Contudo, em seus primeiros relatórios, no início das nossas experiências em Rohanda, diziam que haviam rumores sobre espiões, e naturalmente espiões implicavam a idéia de inimigos, até para o mais inocente.
......Percebi que eram uma espécie que, por algum motivo imprevisto, não podia pensar em termos de inimigos. Eu mal podia acreditar. Jamais vira nada parecido em outros planetas.
(em Shikasta, de Doris Lessing)

4 comentários:

Márcia Corrêa disse...

Hum... sabe que fiquei muito interessada em conhecer esse povo que não sabe o significado de "inimigos".

Unknown disse...

Infelizmente, para o nosso senso moral, o inimigo habita dentro de nós. Somos o "cavalo" desse espírito bandido que teima em apertar os botões errados e ainda criar, produzir, crescer, amar, borbulhar e morrer inevitavelemente, no final. Pura tragédia, cada um que escolha seu caminho de esplendor selvagem e beleza urbana, nossas tão nossas encenações. Sejamos idiotas, deitemos nas redes da observação dos pássaros, desde que realizemos escrupulosamente nossas fantasias... blé

lucia helena disse...

Bem, eu não sei se entendi o texto que vc replica, Antônio.
Mas eu também não tenho inimigos, creio que não. Não conheço nenhum. Hoje, aos 55 anos de idade, acho que consegui livrar-me dos inimigos dentro de mim. Talvez isso seja o mais importante. Por isso meu inimigo não é o outro, nem sou eu. Apesar das agruras da vida, sinto-me em paz comigo mesma e com as pessoas com quem convivo. Não consigo achar um inimigo nestes anos de vida. Tenho buscado ao longo do tempo cultivar amigos -próximos e distantes. Regar amizades com flores. Amigos para permutar idéias e afetos. Para compartilhar os momentos difíceis e as alegrias da vida que são muitas. Sorrio na rua para pessoas estranhas que sorriem para mim. Isto é maravilhoso quando se vive na urbe! Será que tudo isso ocorre porque escolhi viver num lugar em é possível estar a maior do tempo no anonimato? Porque falar de inimigos? Pensando bem, acho que agora entendi sua mensagem. Gostaria tb de conhecer esse planeta, ou melhor, ler o livro. A idéia é bem sugestiva...

lucia helena disse...

Para não parecer arrogante e poderosa - londe de mim - quero esclarecer que desalojar os inimigos de dentro de mim foi fruto de um longo processo de trabalho analítico e de muito aprendizado, exercício cotidiano. Ainda assim creio que os fantasmas tendem a reaparecer. O que acho que aprendi é saber espantá-los quando me assombram. Mas o que estou interessada mesmo, depois que entendi sua mensagem é ler o livro que evoca o planeta dos sem inimigos. Dá para dar-me todas as referências dele, inclusive a editora para eu comprá-lo? Recomendarei-o para meus amigos para que só cultivemos a amizade com doçura e delicadeza. bjos.,
lu