19 maio 2009

Descredo

A representação é essencial na arte, coisa muito boa de se ver. Conheço seu truque, que tenho usado, como todo mundo usa, há um tempo muito maior que a memória. Figuras, inclusive as de linguagem, são para o deleite da mão que as cria e do olho que as aprecia, mas sua beleza ou inteligência desaparece quando são chamadas de realidade ou verdade. São figuras, justamente figuras, nisso reside toda sua realidade e toda sua verdade.

Ando cansado de argumentos. Sou dono de uma boa porção da retórica que existe no mundo, conheço sua força e fraqueza, seu movimento de torção, o ponto de apoio de suas alavancas, suas substituições: causa por efeito, todo por parte, conclusão por hipótese, tantas por quantas. Também no bonsai se torce a planta –e a poda das raízes é o mais importante- até que o ser se dobre à mente.

Observo a sedução dos planos: a projeção que se estica até onde o cálculo alcança e, mais além, ousada, faz uma pirueta no ar. Parece inevitável que mundo e o tempo a sigam. Apenas parece. A estratégia é boa no jogo, mas às vezes perde para a sorte ou para quem não obedeça às regras.

A objetividade é uma coleção de inutilidades, mas a subjetividade também virou coisa que se compra na esquina. Nisso a indústria humana foi eficiente: replicar modelos mentais em quantidades infinitas e dimensões variadas até que ocupassem todo o espaço e o tempo. Razões perecíveis, emoções descartáveis. Mais lixo.

Sinto-me velho demais para ser idealista e ainda muito jovem para ser pragmático. Ingenuidade e cinismo brincam de mocinho e bandido, na rua, em frente à minha casa. Termina sempre em briga e choro, antes que as mães chamem para tomar banho e levar uns bons esfregões no pescoço e atrás das orelhas.

***
Cresce em mim a força silenciosa do invisível indizível.

3 comentários:

luelena disse...

Antonio,
Tu que pensas e dizes que sou uma crédula da ciência, por ter em parte trilhado por estas veredas, em minha já longa vida, talvez te surpreendas que esta forma de pensamento (científica), em meu próprio ponto de vista, também é uma forma de representação do real. Mas, o ideal (as representações imaginárias) são tão reais como o próprio real - e as idealidades (e subjetividades) estão em toda parte - produzindo "realidades". Dá para separar uma coisa da outra? As chamadas idealidades estão inscritas na própria realidade, pois também elas são reais. Penso que depedendo ddo tipo de idealidades o mundo real se conforma de tal ou de tal maneira -à medida que são também reais e que as produzem:- as ditas realidades. Por isso, levando em conta isso, e entendendo que isso permeia tudo, prefiro me auto-identificar apenas como mera "artesã do conhecimento" prenhe de subjetividades em meu olhar sobre o "real"...
Abraços,
luciahelena
P.S.: não entendi bem o porquê de tu dizeres que és incrédulo, se para dizer isto tudo és, necessariamente, um crédulo, não é mesmo? Hoje, já nem mais sei do que...mas que tu és, tu és; teu rico imaginário produz realidades fantásticas! Ou só vivo fantasticando tu? No puedo creer que tu es mera caricatura, embora sei que encene múltiplas personagens e as represente bem. Representações ideais ou reais? Bem, quero mesmo é ouvir samba..."E cantar e cantar a alegria de ser um eterno aprendiz...", sem vergonha e medo de ser feliz.

Veriana Ribeiro disse...

outro dia me perguntaram se você estava apaixonado. acho que a culpa é desse texto. rs

=)

Márcia Corrêa disse...

E no "invisível indizível" mora a lucidez. Não aquela da ausência de loucura, mas aquela dos múltiplos sentidos inquietos por mergulhar no profundo das coisas.