Estou torcendo para que o Senado aprove o projeto do horário único nacional, por um motivo muito simples: ao invés deste incômodo suportável que vivemos hoje, com o qual os mais mansos já se dizem "acostumados", teremos um incômodo insuportável com o pôr-do-sol às oito da "noite" nos barrancos do Juruá e Purus e adjacências. Daí vou sentar à sombra da gameleira e ficar olhando a confusão dos políticos, um sendo o pai do horário novo e outro sendo a mãe do horário novíssimo, cada um dizendo "vote em mim porque o outro é mais culpado". Enquanto isso, o povo vai cuidar da vida na hora que der.
É bem interessante ver a briga. Os defensores do horário único argumentando com o desenvolvimento econômico, a integração nacional e a transmissão dos jogos de futebol. Os defensores do horário oficial atual se esforçando para falar em cultura, tradição, diversidade amazônica, todas essas coisas que tanto desprezaram no ano passado.
Sinto-me à vontade para iniciar a campanha pela minha antiga proposta: hora livre, sem fuso. Cada um faz o seu horário e vive como conseguir. Obviamente, é melhor para o balconista acertar seu relógio pelos ponteiros do dono da loja. Mas, ao sair do trabalho ou aos domingos, combina o horário com os amigos ou com a namorada. Aos poucos, em meio ao caos, vai surgindo uma temporalidade variada e flexível, livre da escravidão do horário com fuso.
Outra opção interessante pode ser a criação de um horário regional, extra-oficial, para o funcionamento das escolas, comércio etc. Teria, digamos, duas horas a menos que o horário único oficial. Daí as crianças poderiam ir para a cama às nove da noite no horário regional (onze no oficial), porque acordariam na manhã seguinte às seis (oito no Brasil) e teriam a liberdade de assistir à sacanagem das novelas exatamente como faziam antes porque, oficialmente, as emissoras de TV estariam cumprindo a lei -as crianças é que estariam dormindo mais tarde.
Alguém tem outra idéia? Pois combine com suas comunidades e faça, na prática. Só não conte para deputados e senadores, porque esses aí vivem noutro mundo, diferente desse em que nós véve.
6 comentários:
...Acho genial esta sua proposta da hora livre, assim como do horário regional, que seria um paralelo do horario oficial.Talvez funcionasse melhor, pois o que é paralelo, informal, tende a se auto-regular e ser mais positivo.
Agora,alguem pode explicar: como ficará quando entrar em vigor o horário de verão? O sol vai se por as 21 hs e acordaremos no meio da madrugada amazonica e veremos o dia clarear la pelas 9 horas da manhã? Será, que será ?
Quem sabe...
Concordo pelnamente com você. Infelizmente, ninguém nos ouve e se arvoram o direito de afirmar que falam em nosso nome. Não assinei procuração pra nenhuma idéia de mudar o horário do sol surgir nem partir - inclusive, esqueceram de avisá-lo da mudança do fuso. Boa idéia! Façamos uma campanha pra mudar tudo isso que está aí. Começando por esses políticos desocupados e alardeadores de coisas insensatas.
A revolução industrial já havia promovido uma aceleração espantosa do tempo, que começou a ser regulado em função do trabalho mecânico e da produtividade. Minutos passaram a fazer diferença no que se refere ao rendimento do trabalho mecanizado, como os décimos de segundo fazem diferença hoje diante dos instrumentos do trabalho computadorizado e dos relógios de precisão digital que medem as oscilações dos investimentos nas bolsas de valores ao redor do mundo. É evidente que algo do valor da vida se perde quando o tempo, matéria do vivido, passa a ser 100% empregado a serviço de um Mestre que reina sobre quase todo o planeta na forma dos caprichos, sempre misteriosos aos olhos do homem comum, do capital financeiro globalizado. Paradoxalmente, na medida em que o presente se desvaloriza ante o futuro, “aproveitar bem o tempo” tornou-se um dos imperativos da vida privada nas sociedades liberais, em que o indivíduo dispõe de uma enorme variedade de escolhas quanto ao desfrute de seu tempo (supostamente) livre. Só que o ritmo do trabalho, de forma desproporcional à oferta efetiva de empregos, invade cada vez mais a experiência da temporalidade, mesmo nas horas ditas de lazer. Não me refiro ao ócio, esta forma de passar o tempo desmoralizada em nossos dias, mas às atividades de lazer marcadas pela compulsão de produzir resultados, comprovações, efeitos de diversão que tornam a vivência do lazer tão cansativa e vazia quanto a produção. Nada causa tanto escândalo hoje quanto o tempo vazio. É preciso “aproveitar” o tempo, fazer render a vida, sem preguiça e sem descanso.
Essa forma contemporânea de temporalidade acelerada, em que a oferta de objetos se antecipa ao desejo e atropela a própria fruição, também produz seus desajustados. São os depressivos. A aliança entre ideais de precisão científica e eficiência econômica conduz à idéia de que a vida é um investimento no mercado de futuros cujo sentido depende de se conseguir garantir, de antemão, os ganhos que ele deverá render. É evidente, de acordo com a lógica subjacente a esse projeto, que o campo incerto da subjetividade deve ser reduzido a sua dimensão mais insignificante a fim de que nenhum rodeio inútil se interponha entre cada projeto de vida e sua meta final. Tal desvalorização dos meios em favor de uma finalidade urgente e inquestionável favorece o sentimento, genuinamente depressivo, de desvalorização da vida. O que existe no futuro, afinal? Nada além da morte certa. Tudo o mais depende do que construímos no presente - e também do acaso insondável.
Todas as coisas já foram ditas; mas como ninguém escuta é preciso sempre recomeçar.
André Gide, escritor francês (1869-1951)
o meu tempo é quando.
Mesmo sendo condiderado o tempo livre, possível somente na sociedade da utopia, concordo com vc, que à exemplo dos povos da floresta, dos povos do mar (e das águas) e dos povos da terra deveríamos viver, aqui e agora,o tempo livre sem pressão de qualquer medida abastrata e externa do tempo - apenas seguir os movimentos da natureza. Qualquer pressão do tempo externo, cronometrado, aritimetizado me sufoca, impede minha criatividade. Impede de qualquer um fazer o verdadeiro movimento da vida... Tempo natural versus tempo do relógio, descobri isso quando vivi na Amazônia, no Acre. E eles vêm mais uma vez impor a temporalidade capitalista, medida, quantitativa, ah, my God! Acho que vcs amazônidas, têm muito que exportar para o Brasil: a cultura da floresta e suas múltiplas temporalidades para o Brasil e para o mundo!!! É triste a cegueira dos políticos de merda quererem homogeneizar o tempo da Amazônia e do Brasil num ato contrário. Bem, se eles não enxergam além de si próprios e de seus interesses, como irão enxergar a Amazõnia num olhar sensível, se seu olhar é míope?
Postar um comentário