Interrompo meu silêncio –que já completou mês e parece estar no fim- para dizer “obrigado e até um dia” ao professor Geraldo Mesquita, que despediu-se deste mundo na sexta-feira, dia 11.
Não vivi o dia-a-dia do Acre nos anos em que o “Barão” foi governador, entre 1974 e 1978. Passei esse tempo em Brasília, aprendendo a política na escola do movimento estudantil contra a ditadura. Mas já o conhecia da infância e sabia que tinha sido companheiro de meu pai nos jornalismo das décadas de 40 e 50. Comentava-se, à meia-voz, que tinha sido comunista na juventude e que, mesmo depois, quando já tinha sido assimilado pela Arena de Guiomard Santos e dos militares, mantinha amizades com a esquerda. Sua nomeação como governador, portanto, só se explicava por uma tendência à chamada abertura, a “distensão lenta e gradual” de Geisel e Golbery.
No Acre, fiquei sabendo depois, foi essencial para retardar a devastação que se iniciara no período anterior. Pra quem não lembra, não é demais repetir: entre 1970 e 1974, um terço do território acreano foi comprado por sulistas, alguns para instalar fazendas de gado, outros para especulação imobiliária. Élson Martins costuma dizer que havia cheiro de pólvora no ar, naqueles tempos.
Mesquita vinha de um Acre antigo, em que os veteranos que haviam guerreado ao lado de Plácido de Castro ainda eram vivos e ativos na vida pública. Na juventude, leu escondido, de madrugada e à luz de velas, o livro proibido de Genesco de Castro, irmão de Plácido. Permaneceu a vida toda com um forte sentimento regionalista e não se iludiu com promessas de modernização. Acreditava que o verdadeiro progresso viria de uma forte economia rural baseada na agricultura familiar.
Em seu governo, criou uma extensa rede de serviços e órgão públicos destinados a esse desenvolvimento rural. Retirou o apoio estatal aos fazendeiros nos conflitos pela posse da terra, procurou evitar que a polícia fosse usada para reprimir empates de seringueiros, criou canais de negociação com os sindicatos e a Igreja, promoveu a instalação de uma Ajudância da Funai para defender os índios, até apoiou discretamente a resistência que se articulava no jornal O Varadouro, francamente esquerdista. Enfim, segurou a barra.
Durante anos, encontrei-o semanalmente, nas manhãs de sábado, quando levava ao Zé Leite os textos da coluna “Sempre aos Domingos” que assinava no jornal O Rio Branco. Conversa descontraída e cheia de inteligência, como só aqueles velhos sabiam ter. Eu, aprendiz, aprendia. Como filho do Vieira, era incluído na roda com privilégios, como se fosse mais um daqueles amigos da juventude, que tinham farreado nas imediações da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, onde se originou o histórico apelido.
E tinha mais história por vir. Nas primeiras eleições diretas para governador, a dissidência aberta por Mesquita foi fundamental para derrotar o PDS de Kalume e possibilitar a vitória do PMDB de Nabor. E quando o jovem Jorge Viana se lançou candidato pelo PT, em 1990, apoiou entusiasmado e lançou um manifesto conclamando os acreanos a mais uma revolta na longa linha histórica iniciada um século antes. Participou de toda a campanha e das seguintes.
Quando fui diretor da Fundação Cultural, de vez em quando alguém avisava: o governador Mesquita chegou aí. Procurei sempre interromper qualquer reunião, adiar qualquer compromisso, dispensar quem estivesse em minha sala, para poder recebê-lo imediatamente. Comigo, o Barão jamais tomaria sequer um minuto de chá de cadeira. Tive sempre o maior prazer em conversar com ele. Depois das reclamações e críticas que fazia, e também das sugestões e orientações que dava, sempre me brindava com alguma jóia de sua memória privilegiada, um trecho da história do Acre e do mundo que tinha visto e vivido.
Vi nos sites da internet que muita gente importante faleceu neste final de semana. Não desfaço de ninguém, mas a partida do Barão Mesquita merecia ter sido notada no Brasil, mormente nesses tempos em que o Acre anda na mídia. Sua importância para que chegássemos até aqui foi grande. Nossa geração andou mais rápido porque foi empurrada pelos bons, os melhores da geração anterior.
Sinto-me grato e honrado por ter conhecido este gigante da história, o governador do Acre professor Geraldo Gurgel de Mesquita e rogo a Deus que lhe dê um bom lugar, ao lado dos justos.
7 comentários:
acho que tem um erro nesse trecho:
No Acre, fiquei sabendo depois, foi essencial para retardar a devastação que se iniciara no período anterior. Pra quem não lembra, não é demais repetir: *entre 1970 e 1970*
=)
belo texto.
Corrigido. Muchas gracias. Está contratada como revisora. Pago por erro, rs.
E hoje quem nos brinda com esta jóia de memória privilegiada da história do Acre és vossa senhoria...
Toinho, que bom tê-lo de volta, mesmo sendo por causa de uma ocasião infeliz assim.
Você escreve que Barão Mesquita "sempre me brindava com alguma jóia de sua memória privilegiada, um trecho da história do Acre e do mundo que tinha visto e vivido."
Ouso dizer que você também faz isso para nós. Obrigado por mais uma lição.
Desculpa que não liguei ainda, depois de prometer ligar naquela aula de português.
Abraços,
Mateus
Com tristeza, soube pela querida prima Maria Maia da ida do Barão. Tive a honra de servir ao Acre, como presidente da Cohab-AC, no Governo Mesquita. Tinha sido aluno do Barão no Colégio Acreano e sabia de sua fama de comunista na juventude e era, e sou, amigo do Geraldinho. Por que do convite? Me disse ele: para moralizar a Cohab. No dia da assembleia de eleição do presidente o Barão estava viajando e os caciques da Arena presentes (o vice governador Omar Sabino, o Aguinaldo Moreno, indicado para diretor administrativo e o Durval Maia, indicado para diretor técnico, e outros) quiseram alterar a indicação, Diziam que, por eu ser arquiteto, deveria ser o diretor técnico e o Aguinaldo ou o Durval é que deveriam ser o presidente. Expliquei que havia sido convidado para ser presidente, suspendeu-se a assembleia até o Barão ser localizado e me confirmar como presidente. Foi uma período muito rico e que aprendi muito com o Barão. São muitas as histórias desse período, e a mais incrível é a dele, em pleno domingo, segurar uma invasão no aeroporto velho e possibilitar, no futuro, a urbanização daquela área. Mas isto é outra história.
Que falta o Barão está fazendo.
Toinho, soube pela Ana Regina de seu texto sobre o Barão. Deixei passar um tempo pra ler e depois mais um tanto pra agradecer, pois conhecendo a sua escrita sabia que iria me emocionar bastante. Torço para que já esteja sendo providenciado um reencontro histórico do Barão com o Vieira, Edson, Foch, entre outros. Deus te abençõe.
Palavra lançada, palavra gravada, mas esse til no abençoe está um horror! Descuple invadir sua casa dessa forma, não sei como ele foi parar aí. O que é que a Veriana vai dizer?
Postar um comentário