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O homem só escora-se em si:
num pé e noutro acha seu sustento
- que o chão nunca lhe falta e é tudo que mantém.
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Cego em que o ouvido lhe sussurra
e surdo no que o olho pinta e borra,
engole insosso o pão que a mão sem pele amassa
e não cheira, nem fede.
Inventa por fim outros sentidos e às margens chega
do mar do nada em que não morre ou mata
a sede que não tem.
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O homem só é ninguém.
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24 setembro 2009
14 setembro 2009
Lembrança do Barão
Interrompo meu silêncio –que já completou mês e parece estar no fim- para dizer “obrigado e até um dia” ao professor Geraldo Mesquita, que despediu-se deste mundo na sexta-feira, dia 11.
Não vivi o dia-a-dia do Acre nos anos em que o “Barão” foi governador, entre 1974 e 1978. Passei esse tempo em Brasília, aprendendo a política na escola do movimento estudantil contra a ditadura. Mas já o conhecia da infância e sabia que tinha sido companheiro de meu pai nos jornalismo das décadas de 40 e 50. Comentava-se, à meia-voz, que tinha sido comunista na juventude e que, mesmo depois, quando já tinha sido assimilado pela Arena de Guiomard Santos e dos militares, mantinha amizades com a esquerda. Sua nomeação como governador, portanto, só se explicava por uma tendência à chamada abertura, a “distensão lenta e gradual” de Geisel e Golbery.
No Acre, fiquei sabendo depois, foi essencial para retardar a devastação que se iniciara no período anterior. Pra quem não lembra, não é demais repetir: entre 1970 e 1974, um terço do território acreano foi comprado por sulistas, alguns para instalar fazendas de gado, outros para especulação imobiliária. Élson Martins costuma dizer que havia cheiro de pólvora no ar, naqueles tempos.
Mesquita vinha de um Acre antigo, em que os veteranos que haviam guerreado ao lado de Plácido de Castro ainda eram vivos e ativos na vida pública. Na juventude, leu escondido, de madrugada e à luz de velas, o livro proibido de Genesco de Castro, irmão de Plácido. Permaneceu a vida toda com um forte sentimento regionalista e não se iludiu com promessas de modernização. Acreditava que o verdadeiro progresso viria de uma forte economia rural baseada na agricultura familiar.
Em seu governo, criou uma extensa rede de serviços e órgão públicos destinados a esse desenvolvimento rural. Retirou o apoio estatal aos fazendeiros nos conflitos pela posse da terra, procurou evitar que a polícia fosse usada para reprimir empates de seringueiros, criou canais de negociação com os sindicatos e a Igreja, promoveu a instalação de uma Ajudância da Funai para defender os índios, até apoiou discretamente a resistência que se articulava no jornal O Varadouro, francamente esquerdista. Enfim, segurou a barra.
Durante anos, encontrei-o semanalmente, nas manhãs de sábado, quando levava ao Zé Leite os textos da coluna “Sempre aos Domingos” que assinava no jornal O Rio Branco. Conversa descontraída e cheia de inteligência, como só aqueles velhos sabiam ter. Eu, aprendiz, aprendia. Como filho do Vieira, era incluído na roda com privilégios, como se fosse mais um daqueles amigos da juventude, que tinham farreado nas imediações da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, onde se originou o histórico apelido.
E tinha mais história por vir. Nas primeiras eleições diretas para governador, a dissidência aberta por Mesquita foi fundamental para derrotar o PDS de Kalume e possibilitar a vitória do PMDB de Nabor. E quando o jovem Jorge Viana se lançou candidato pelo PT, em 1990, apoiou entusiasmado e lançou um manifesto conclamando os acreanos a mais uma revolta na longa linha histórica iniciada um século antes. Participou de toda a campanha e das seguintes.
Quando fui diretor da Fundação Cultural, de vez em quando alguém avisava: o governador Mesquita chegou aí. Procurei sempre interromper qualquer reunião, adiar qualquer compromisso, dispensar quem estivesse em minha sala, para poder recebê-lo imediatamente. Comigo, o Barão jamais tomaria sequer um minuto de chá de cadeira. Tive sempre o maior prazer em conversar com ele. Depois das reclamações e críticas que fazia, e também das sugestões e orientações que dava, sempre me brindava com alguma jóia de sua memória privilegiada, um trecho da história do Acre e do mundo que tinha visto e vivido.
Vi nos sites da internet que muita gente importante faleceu neste final de semana. Não desfaço de ninguém, mas a partida do Barão Mesquita merecia ter sido notada no Brasil, mormente nesses tempos em que o Acre anda na mídia. Sua importância para que chegássemos até aqui foi grande. Nossa geração andou mais rápido porque foi empurrada pelos bons, os melhores da geração anterior.
Sinto-me grato e honrado por ter conhecido este gigante da história, o governador do Acre professor Geraldo Gurgel de Mesquita e rogo a Deus que lhe dê um bom lugar, ao lado dos justos.
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