Por um fio
Passei umas semanas em São Paulo, dando uma forcinha na campanha da Marina Silva, que é candidata a deputada federal, para alegria de milhões de paulistas que sabem dar valor a quem tem mérito. Voltei a Rio Branco e encontrei uma situação deprimente, no auge das queimadas, com a fumaça escurecendo os dias e os pensamentos. A invasão num terreno do governo na estrada, perto da minha casa, prosperando com barracos sendo construídos já com os cartazes dos candidatos na campanha política colados nas paredes. Uma campanha eleitoral brega, sem assuntos relevantes além das velhas promessas e novas ofensas, numa terra sem governo e sem lei onde os pobres fazem o que podem e os ricos fazem o que querem.
Se a “intenção” de votos nas pesquisas se realizar, a campanha termina logo, com o atual governador sendo reeleito no primeiro turno. Tem gente que duvida -e é realmente estranho- que o Petecão tenha 5 por cento. Também é inusitado que o Lula tenha 33 e o Jorge 25, oito pontos a menos, no Acre, onde sempre foi o inverso. Mas tudo isso é possível porque, pra quem conheceu, ó quão dessemelhante o Acre está de seu antigo estado!
Bem, se vai ter segundo turno, não sei, mas vou votar no Jorge de qualquer jeito. Nele aqui e em Lula lá. A última vez que isso aconteceu foi em 2002, há exatos 20 anos. Dá até a impressão de que voltamos no tempo. E bem que eles poderiam incluir, entre suas promessas de campanha, que me dariam de volta meus 45 anos de idade, caso eleitos. Mas até as promessas de campanha tem limites, bem sei. Vou votar assim mesmo.
É claro que gostaria de ter Marina ou alguém que tivesse com ela alguma semelhança, mínima que fosse, disputando a Presidência. Na ausência dela, estive inclinado a votar no Ciro mas ele tropeçou no próprio ego e tornou-se inviável. Lula, com todos os seus conhecidos defeitos, é o que temos como alternativa ao integralismo que se espalhou no Brasil, ao mesmo tempo sintoma e agente patógeno de uma regressão civilizacional sem precedentes. E talvez tenha aprendido alguma coisa, a derrota e a prisão são muito didáticas. Afinal, temos que manter um fio de esperança na capacidade de regeneração da raça humana.
Guardadas as devidas diferenças, Jorge cumpre no Acre uma função semelhante. De todos os candidatos é o único que tem capacidade de fazer um governo minimamente funcional. Gladson é um rapaz muito simpático, mas não tem nem mesmo cacoete de governador. Os grupos que ocupam os cargos de direção do Estado não chegam a formar um governo. Aqui e acolá, em alguma secretaria, tem um resquício de qualidade técnica, raríssimos projetos, mas nem sombra de um planejamento ou estratégia. É apenas isso, um ajuntamento de agregados que preenchem os cargos disponíveis.
No final das contas, tudo depende de um eleitorado que piorou muito em todos esses anos. O voto aumentou apenas o preço, a qualidade diminuiu drasticamente. E se não temos governo é simplesmente porque não temos sociedade. Nem povo. Salvo algumas comunidades, aqui e ali, somos apenas um ajuntamento de agregados ocupando espaço e fazendo rolo para sobreviver. E foi justamente a política -transformada num confronto de ressentimentos- que criou essa situação. Mais uma vez, é preciso fazer um grande esforço para ter esperanças na raça humana.
Tenho um fio, espero que não se rompa na tempestade.