12 julho 2010

Em breve, no ar

O mundo tem prazo de validade, data irrevogável para o fim, ou existem outros motivos e intenções ocultas para tanta ansiedade e pressa? Eu deveria correr para pegar esse trem, mas, sabe, eu não faço fé nessa minha loucura e digo: por que tomaria os ilusórios trilhos da loucura alheia? Bastam-me os ecos desta canção. E o mundo, ah, o mundo não vale um beijo partido.
Parece, entretanto, que há possibilidade de que as flores brotem no terreno mais árido. Por isso, sairei às ruas pedindo que votem em Marina. Poderia até encontrar argumentos sólidos e consistentes como tijolos, mas fico, por enquanto, com essa leveza: em nome de uma lucidez semelhante ao vento.
Com as palavras que ele me soprar, farei crônicas. Poesia. Música. Quem sabe...

Durma-se

A pandemia de loucura é semelhante ao aquecimento global: tem períodos de pico e de baixa, mas nos últimos dois séculos vem alterando-se para mais, ou seja, no pico atinge níveis cada vez mais elevados e na baixa não retorna ao ponto anterior, fica sempre um pouco mais acima. Nos períodos de menor loucura, os dias mais calmos deste novo século, há mais insanidade que nas grandes guerras do século passado.

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Mudaram também as formas de contágio e transmissão. Antes, a loucura se disseminava quase da mesma forma que as demais insanidades, por proximidade e contato direto, quase físico. Depois passou a disseminar-se também como as ondas de rádio, potencializada principalmente pelas novas tecnologias da comunicação. Agora transmite-se ainda por conexões sub e supra-psíquicas comparáveis aos fenômenos da física quântica, não-causais e atemporais. Uma pessoa perturba-se em São Paulo, outra responde com perturbação igual ou complementar em Londres ou Tóquio, sem como nem porquê.

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A idéia de perturbação possibilita focar a atenção nas formas mais violentas da loucura, deixando de lado a infinidade de formas mais ou menos brandas, no amplo espectro entre a leseira e o delírio, que muitas vezes incorporam-se à paisagem sem provocar danos aparentes, ruídos ou rupturas, e às vezes são até confundidas com virtude e bom comportamento. Também a loucura violenta é confundida com a maldade e o crime, embora seja extremamente necessário distinguir uma coisa da outra. A frouxidão ética pode ser sintoma da perturbação ou fornecer-lhe campo fértil para o crescimento, mas o mais comum é que a maldade esperta use a loucura como desculpa.

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De todo modo, estas distinções servem tão somente para a auto-defesa, pois não há mais um poder externo e impessoal para mediar conflitos e providenciar soluções. Estado, mercado, coletivos, organizações e até deuses, ideologias e causas perderam a autoridade ao perderem a alteridade em relação à loucura, da qual cada vez mais participam e usam, promovem e potencializam. O dr. Simão Bacamarte atende às terças e quintas, na parte da tarde, no máximo dois ou três clientes e lhes dá algumas pílulas para regularizar o sono.

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