Passei muitos dias sem ver a Terra, confinado aos arredores deste computador. Ainda assim –e por isso mesmo, aliás- não consegui escrever uma linha. Tomei uma grande dose de internet, enfiando-me nas minúcias do noticiário, nas centenas de análises e milhões de comentários. Tarde da noite, extenuado, desligava a máquina e procurava, com atenção nos atos e coisas mais simples –banho, roupas, dentes, portas e janelas-, chamar o sono e espantar os sinais evidentes de depressão.
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O mundo virtual, que se amplia veloz na mente humana, é uma plantação infinita de ódio, intolerância e preconceito. Todos gritam exasperados ou resmungam venenosos sobre qualquer assunto, com evidente preferência para aqueles sobre os quais não entendem nada. Pior que os ignorantes, porém, são os especialistas: desfilam com destaque na passarela ostentando obviedades extraídas de manuais e cartilhas do século retrasado, dois degraus abaixo do senso comum, preocupados em posar para a foto com cara de cientista, analista, ideólogo, pesquisador, mal conseguindo disfarçar sua alegria pelos 15 segundos de fama e oportunidade de deixar telefone para contatos.
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Veriana me deu a receita: “de vez em quando a gente tem que sair de todas as redes sociais e passar alguns meses se desintoxicando”.
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Ontem vi o luar sobre a Terra e o reflexo das estrelas na água do açude. Depois, nuvens. Chuva na varanda, madrugada adentro. E hoje comi um biribá madurinho, cuspindo as sementes no barro molhado. Peguei ônibus lotado: homens com sacolas, mulheres com crianças no colo, muitos jovens voltando do passeio. Este mundo é possível?
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Passei a vida lutando nas ruas, pregando nas praças. Agora descubro passagens ocultas, varadouros, atalhos, feitos de anonimato e silêncio. Qualquer hora saberei aonde levam.