25 junho 2009

Fuso zero

Estou torcendo para que o Senado aprove o projeto do horário único nacional, por um motivo muito simples: ao invés deste incômodo suportável que vivemos hoje, com o qual os mais mansos já se dizem "acostumados", teremos um incômodo insuportável com o pôr-do-sol às oito da "noite" nos barrancos do Juruá e Purus e adjacências. Daí vou sentar à sombra da gameleira e ficar olhando a confusão dos políticos, um sendo o pai do horário novo e outro sendo a mãe do horário novíssimo, cada um dizendo "vote em mim porque o outro é mais culpado". Enquanto isso, o povo vai cuidar da vida na hora que der.
É bem interessante ver a briga. Os defensores do horário único argumentando com o desenvolvimento econômico, a integração nacional e a transmissão dos jogos de futebol. Os defensores do horário oficial atual se esforçando para falar em cultura, tradição, diversidade amazônica, todas essas coisas que tanto desprezaram no ano passado.
Sinto-me à vontade para iniciar a campanha pela minha antiga proposta: hora livre, sem fuso. Cada um faz o seu horário e vive como conseguir. Obviamente, é melhor para o balconista acertar seu relógio pelos ponteiros do dono da loja. Mas, ao sair do trabalho ou aos domingos, combina o horário com os amigos ou com a namorada. Aos poucos, em meio ao caos, vai surgindo uma temporalidade variada e flexível, livre da escravidão do horário com fuso.
Outra opção interessante pode ser a criação de um horário regional, extra-oficial, para o funcionamento das escolas, comércio etc. Teria, digamos, duas horas a menos que o horário único oficial. Daí as crianças poderiam ir para a cama às nove da noite no horário regional (onze no oficial), porque acordariam na manhã seguinte às seis (oito no Brasil) e teriam a liberdade de assistir à sacanagem das novelas exatamente como faziam antes porque, oficialmente, as emissoras de TV estariam cumprindo a lei -as crianças é que estariam dormindo mais tarde.
Alguém tem outra idéia? Pois combine com suas comunidades e faça, na prática. Só não conte para deputados e senadores, porque esses aí vivem noutro mundo, diferente desse em que nós véve.

08 junho 2009

Baladeiras

1. Na semana passada olhei o tempo e vi os faveiros florando pela metade. Um galho amarelo de flores, outro ainda verde em folhas. Meio verão, meia vida, até as árvores tem problemas de identidade -que tempo, esse! Depois do vento, espera-se a firmeza dos dias e a frieza das noites, o caminho de São João aberto, a mensagem das estrelas. Mas ainda é necessário estar atento para os movimentos que sustentam o céu e os que querem vê-lo desabar.
2. Minha líder, Marina Silva, anuncia que as coisas vão piorar e promete ao mesmo tempo em que convoca: "resistiremos". Voltamos, então, aos tempos da resistência. Pois que seja. Não quero saber de políticas, mas minha velha baladeira ainda está pronta para brincadeiras de tropa e caverna. Não lamento o fim do mundo, não tenho tempo para ressentimentos nem paciência para mesquinharias. All we need is love, diziam aqueles rapazes de Liverpool. É o que importa. Com alegria tranquila olho o mundo deste lugar onde sou. Encontro firmeza no balanço. E ainda sei assar palanquetas.
3. Deixo a Terra desolado, sem notícia do Rapaz. Vizinho disse que foi atropelado na estrada, onde vadiava. Andei mesmo sentindo arrepios no caminho e ouvindo barulhos estranhos na varanda. Se tiver partido, que esteja feliz naquele mundo amplo e estranho do não-tempo, embora minha tristeza de homem velho que já perdeu tantos amigos. E além do mais, isso não é hora de ficar sem cachorro.