30 abril 2009

Outro Abril


sem que se perceba uma idéia se insinua nua linha na agulha entre panos planos desenganos caetanos escorre nos quintais da chuva e um mês assim vai índio tiradentes descobrimentos na cheia dos rios veias do avô português a tez descendente de acreano irredutível eterno navegante

27 abril 2009

(ainda a água)

Não sei muito acerca de deuses, mas creio que o rio
É um poderoso deus castanho –taciturno, indômito e intratável,
Paciente até certo ponto, a princípio reconhecido como fronteira,
Útil, inconfidente, como um caixeiro-viajante.
Depois, apenas um problema que ao construtor de pontes desafia.
Resolvido o problema, o deus castanho é quase esquecido
Pelos moradores das cidades –sempre, contudo, implacável,
Fiel às suas iras e épocas de cheia, destruidor, recordando
O que os homens preferem esquecer. Desprezado, preterido
Pelos adoradores da máquina, mas esperando, espreitando e esperando.
Seu ritmo estava presente no quarto das crianças,
Na álea dos ailantos dos quintais de abril,
No aroma das uvas sobre a mesa de outono
E no halo vespertino dos lampiões de inverno.

(T.S.Eliot, The Dry Salvages, tradução de Ivan Junqueira)

24 abril 2009

Poesia adiada

Passei aqui pra deixar uma poesia.
Mas quando eu vinha pra cá, dobrando ali a esquina,
encontrei um mendigo que precisava dela
mais do que eu, mais do que vocês.
Fica pra próxima, tá?

18 abril 2009

Pra lá

Passei um tempo incomodado com uma névoa, um ente, uma coisa que rondava os dias e as noites e se apresentava como o Fantasma da Razão, uma espécie de assombração iluminista, um espírito encrenqueiro e argumentativo, interesseiro e interessado em provar que estava certo em tudo e, mais ainda, que era a medida de todas as coisas, o pensamento correto e único, o espaço em que todos os fenômenos buscam permissão para acontecer.
O encrenqueiro ficava futricando qualquer assunto -tem pinimba com tudo-, por mais importante ou banal: queria botar regra na formação das nuvens, na organização das festas, na evolução das espécies e na mudança de paradigmas -dos quais, aliás, se achava o dono e senhor e único criador.
O sujeito era mesmo metido, com sua régua na mão o tempo todo, mas dei um jeito nele e em suas mesquinhas medidas. Olhei o vento levando folhas, ouvi a chuva caindo sobre o açude, pisei no chão encharcado, senti o cheiro do mato e o gosto do biribá. Sussurrei antigos versos: "si quieres ser feliz como dices, no analices, no analices, no analices".
O chato encheu os parâmetros e foi atentar noutra freguesia.

13 abril 2009

Jejuns

Andei fazendo jejum de palavras na Semana Santa, que o silêncio é alimento fino para ser degustado em calma. Algum dia andou se alongando, entrando pela noite, varando a madrugada até emendar no dia seguinte. Outro ficou quebrado por uma vinda à cidade, no meio da tarde, passagem rápida diante de um computador, notícias do mundo, visão do conflito, trânsito de pressas. Algumas coisas aprendi, outras esqueci. Mais que tudo, vi a chuva que choveu choventamente. Para mim, dádiva e beleza. Caos no trânsito e dezenas de famílias desabrigadas. A natureza é um problema social. Est'outra semana será menos santa, talvez. Mas vou aprendendo, aos poucos, que certos problemas não são meus.

06 abril 2009

se muove

Tem muito mais, só que agora não lembro. Começa a Semana Santa e ando meditando. Dou uma volta maior para não entrar no deserto da política, aridez inóspita em pleno inverno amazônico, onde dançam e gritam miragens e fantasmas. Encontrei o Rapaz, magérrimo -só a tala, coitado-, na estrada lamacenta, na confusão de um bando atrás de uma cachorra no cio, não quer ir em casa nem pra comer. Agora vou ver como ficou o açude depois da maior chuva dos últimos tempos. No mundo, a crise aguda está virando crônica. No outro mundo, movimentos sutis. Um desenho está se formando, ainda não dá pra entender. A vida é bela e estranha. E tem muito mais, só que agora não lembro.